A Fé da Igreja

19/12/2012 15:07
PAPA BENTO XVI

AUDIÊNCIA GERAL

Praça de São Pedro
Quarta-feira, 31 de Outubro de 2012

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O Ano da Fé. A fé da Igreja

Queridos irmãos e irmãs,

Prosseguimos no nosso caminho de meditação sobre a fé católica. Na semana passada mostrei como a fé é um dom, porque é Deus que toma a iniciativa e vem até nós; e assim a fé é uma resposta com a qual nós O acolhemos como fundamento estável da nossa vida. É um dom que transforma a existência, porque nos faz entrar na mesma visão de Jesus, o qual age em nós e nos abre ao amor a Deus e aos outros.

Hoje gostaria de dar outro passo na nossa reflexão, partindo mais uma vez de algumas perguntas: a fé tem um carácter só pessoal, individual? Diz respeito só à minha pessoa? Vivo a minha fé individualmente? Decerto, o acto de fé é eminentemente pessoal, o qual se realiza no íntimo mais profundo e marca uma mudança de direcção, uma conversão pessoal: é a minha existência que recebe uma mudança, uma orientação nova. Na Liturgia do Baptismo, no momento das promessas, o celebrante pede para manifestar a fé católica e formula três perguntas: Credes em Deus Todo-Poderoso? Credes em Jesus Cristo seu único Filho? Credes no Espírito Santo? Antigamente estas perguntas eram dirigidas pessoalmente a quantos deveriam receber o Baptismo, antes de os imergir três vezes na água. E também hoje a resposta é dada no singular: «Creio». Mas este meu crer não é o resultado de uma minha reflexão solitária, nem o produto de um meu pensamento, mas é fruto de uma relação, de um diálogo, no qual há um ouvir, um receber e um responder; é o comunicar com Jesus que me faz sair do meu «eu» fechado em mim mesmo para me abrir ao amor de Deus Pai. É como um renascimento no qual me descubro unido não só a Jesus mas também a todos os que caminharam e caminham na mesma senda; e este novo nascimento, que inicia com o Baptismo, continua por todo o percurso da existência. Não posso construir a minha fé pessoal num diálogo privado com Jesus, porque a fé me é doada por Deus através duma comunidade crente que é a Igreja e, desta maneira, me insere na multidão dos crentes numa comunhão que não é só sociológica, mas radicada no amor eterno de Deus, que em Si mesmo é comunhão do Pai, do Filho e do Espírito Santo, é Amor trinitário. A nossa fé só é deveras pessoal, se for também comunitária: só pode ser a minha fé, se viver e se mover no «nós» da Igreja, se for a nossa fé, a fé comum da única Igreja.

Aos domingos, durante a Santa Missa, recitando o «Credo», nós expressamo-nos em primeira pessoa, mas confessamos comunitariamente a única fé da Igreja. O «Credo» pronunciado singularmente une-se ao de um imenso coro no tempo e no espaço, no qual cada um contribui, por assim dizer, para uma polifonia concorde na fé. O Catecismo da Igreja Católica resume de modo claro: «“Crer” é um acto eclesial. A fé da Igreja precede, gera, apoia e nutre a nossa fé. A Igreja é a Mãe de todos os crentes. “Ninguém pode dizer que tem Deus como Pai se não tiver a Igreja como Mãe” [São Cipriano]» (n. 181). Portanto, a fé nasce na Igreja, conduz para ela e vive nela. É importante recordar isto.

No ínicio do acontecimento cristão, quando o Espírito Santo desce com poder sobre os discípulos, no dia de Pentecostes — como narram os Actos dos Apóstolos (cf. 2, 1-13) — a Igreja nascente recebe a força para actuar a missão que lhe foi confiada pelo Senhor ressuscitado: difundir o Evangelho em todos os cantos da terra, a boa nova do Reino de Deus, e, deste modo, guiar todos os homens para o encontro com Ele, para a fé que salva. Os Apóstolos superam todos os temores proclamando o que tinham ouvido, visto, experimentado pessoalmente com Jesus. Pelo poder do Espírito Santo, iniciam a falar línguas novas, anunciando abertamente o mistério do qual foram testemunhas. Depois nos Actos dos Apóstolos é-nos referido o grande discurso que Pedro pronuncia precisamente no dia de Pentecostes. Ele começa com um trecho do profeta Joel (3, 1-5), referindo-o a Jesus, e proclamando o núcleo central da fé cristã: Aquele que beneficiou todos, que foi reconhecido junto de Deus com prodígios e sinais importantes, foi pregado na cruz e morreu, mas Deus ressuscitou-o dos mortos, constituindo-o Senhor e Cristo. Com Ele entrámos na salvação definitiva anunciada pelos profetas e quem invocar o seu nome será salvo (cf. Act 2, 17-24). Ao ouvir estas palavras de Pedro, muitos se sentiram pessoalmente interpelados, arrependeram-se dos próprios pecados e fizeram-se baptizar, recebendo o dom do Espírito Santo (cf. Act 2, 37-41). Assim iniciou o caminho da Igreja, comunidade que transmite este anúncio no tempo e no espaço, comunidade que é o Povo de Deus fundado na nova aliança graças ao sangue de Cristo e cujos membros não pertencem a um particular grupo social ou étnico, mas são homens e mulheres provenientes de todas as nações e culturas. É um povo «católico», que fala línguas novas, universalmente aberto a acolher todos, além dos confins, abatendo todas as barreiras. Diz são Paulo: «Não há mais grego nem judeu, nem circunciso nem incircunciso, nem bárbaro nem cita, nem escravo nem livre, mas Cristo, que é tudo em todos» (Cl 3, 11).

Portanto, desde os primóridos a Igreja é o lugar da fé, da transmissão da fé, o lugar no qual, pelo Baptismo, nos imergimos no Mistério Pascal da Morte e da Ressurreição de Cristo, que nos liberta da prisão do pecado, nos doa a liberdade de filhos e nos introduz na comunhão com o Deus trinitário. Ao mesmo tempo, estamos imersos na comunhão com os outros irmãos e irmãs de fé, com o inteiro Corpo de Cristo, tirados do nosso isolamento. O Concílio Vaticano II recorda: «Deus quis salvar e santificar os homens não individualmente nem sem qualquer vínculo entre si, mas quis constituir com eles um povo, que O reconhecesse na verdade e O servisse fielmente» (Const. dogm. Lumen gentium, 9). Mencionando ainda a Liturgia do Baptismo vemos que na conclusão das promessas nas quais expressamos a renúncia ao mal e repetimos «creio» às verdades da fé, o celebrante declara: «Esta é a nossa fé, esta é a fé da Igreja que nos gloriamos de professar em Jesus Cristo nosso Senhor». A fé é virtude teologal, doada por Deus, mas transmitida pela Igreja ao longo da história. O próprio são Paulo, escrevendo aos Coríntios, afirma que lhes comunicou o Evangelho que por sua vez também ele tinha recebido (cf. 1 Cor 15, 3).

Há uma corrente ininterrupta de vida da Igreja, de anúncio da Palavra de Deus, de celebração dos Sacramentos, que chega até nós e à qual chamamos Tradição. Ela dá-nos a garantia de que cremos na mensagem originária de Cristo, transmitida pelos Apóstolos. O núcleo do anúncio primordial é o evento da Morte e Ressurreição do Senhor, do qual brota todo o património da fé. Diz o concílio: «A pregação apostólica, que está exposta de um modo especial nos livros inspirados, devia conservar-se até ao fim dos tempos, por uma sucessão contínua» (Const. dogm. Dei Verbum, 8). Deste modo, se a Sagrada Escritura contém a Palavra de Deus, a Tradição da Igreja a conserva-a e transmite-a fielmente, para que os homens de todas as épocas possam aceder aos seus imensos recursos e se enriqueçam com os seus tesouros de graça. Assim a Igreja «na sua doutrina, na sua vida e no seu culto transmite a todas as gerações tudo o que ela é, tudo o que ela acredita» (ibidem).

Enfim, gostaria de realçar que é na comunidade eclesial que a fé pessoal cresce e amadurece. É interessante observar como no Novo Testamento a palavra «santos» designa os cristãos no seu conjunto, mas certamente nem todos tinham as qualidades para ser declarados santos pela Igreja. Que se desejava então indicar com este termo? O facto de que os tinham e viviam a fé em Cristo ressuscitado foram chamados a tornar-se um ponto de referência para todos os outros, pondo-os assim em contacto com a Pessoa e com a Mensagem de Jesus, que revela a face do Deus vivo. E isto vale também para nós: um cristão que se deixa guiar e plasmar gradualmente pela fé da Igreja, não obstante as suas debilidades, os seus limites e dificuldades, torna-se como uma janela aberta à luz do Deus vivo, que recebe esta luz e a transmite ao mundo. O Beato João Paulo II na Encíclica Redemptoris missio afirmava que «a missão renova a Igreja, revigora a fé e a identidade cristã, dá-lhe novo entusiasmo e novas motivações. É dando a fé que ela se fortalece!» (n. 2).

Portanto, a tendência hoje difundida a relegar a fé na esfera do privado contradiz a sua própria natureza. Precisamos de uma Igreja para confirmar a nossa fé e fazer experiência dos dons de Deus: a sua Palavra, os Sacramentos, o apoio da graça e o testemunho do amor. Assim o nosso «eu» no «nós» da Igreja poderá sentir-se, ao mesmo tempo, destinatário e protagonista de um evento que o supera: a experiência da comunhão com Deus, que funda a comunhão entre os homens. Num mundo no qual o individualismo parece regular as relações entre as pessoas, tornando-as cada vez mais frágeis, a fé chama-nos a ser Povo de Deus, a ser Igreja, portadores do amor e da comunhão de Deus por todo o género humano (cf. Const. past. Gaudium et spes, 1). Obrigado pela atenção.